INTRODUÇÃO DE: O TEMPO E A SERRA

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André Betti – sócio-fundador da APHV, graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas e mestre em Ensino e História de Ciências da Terra pelo Instituto de Geociências da UNICAMP, professor de História da Prefeitura Municipal de Valinhos (SP).

“De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas (…) ou às perguntas que nós colocamos para nos obrigar a responder”.

(Ítalo Calvino)

O tempo e a Serra

Lecionando a disciplina de História como professor efetivo na EMEB Cecília Meireles na rede pública municipal na cidade de Valinhos (SP), vivenciamos e notamos ao longo dos anos 2000 significativas mudanças no entorno da escola. Uma região que vem sofrendo uma urbanização devastadora enquanto alvo da especulação imobiliária e também do loteamento de um importante ponto turístico da cidade: a Fonte Sônia; tornando-se um local propício para um trabalho pedagógico dirigido aos alunos da escola. Outro fator relevante é a posição geográfica da escola, com vista para a Serra dos Cocais, um cenário de extrema beleza por sua topografia acidentada e afloramentos de rochas visualmente atrativos.

Já nas primeiras atividades apareceram algumas referências ao ambiente e à vida cotidiana atual, que podemos exemplificar na própria fala de algumas crianças:

Professor, morreu um homem na semana passada, ele ficou doente depois de pescar no CLT. Lá onde ficam as capivaras”.

Este aluno levantou uma questão de saúde pública atual, pois o CLT (Centro de Lazer do Trabalhador) “Ayrton Senna da Silva” é um lugar frequentado por muitas pessoas, que faz parte do complexo “Barragem das Figueiras” (local de captação de água proveniente das nascentes da Serra dos Cocais). Naquele momento o CLT estava habitado por um grande número de capivaras, e realmente se confirmou a morte de um morador do bairro com febre maculosa (doença transmitida pelo carrapato estrela, parasita das capivaras).

Outro aluno reclamou das constantes enchentes que acontecem no bairro Capuava:

“Toda vez que chove alaga tudo, tenho uma amiga que mora lá, é só chover e eles têm que levantar os móveis”.

O bairro Capuava é um dos mais antigos de Valinhos, ele se formou ao longo do Ribeirão Pinheiros e dos trilhos da estrada de ferro. Um bairro que sofria muito naquele momento com as constantes cheias do ribeirão nos dias de chuva, o que não ocorria num passado próximo.

Outro comentário interessante foi sobre a urbanização da Fonte Sônia:

“A Fonte Sônia também poderia ser preservada. Meu pai falou que lá era um lugar muito bonito. Muita gente ia lá aos finais de semana. Hoje em dia as ruas estão chegando próximas ao Cristo”.

Este comentário provocou um confronto de ideias e opiniões na classe:

“Minha casa é perto do Cristo. E o bairro precisa melhorar, e, para isso tem que crescer, tem que morar mais gente lá! Tem que progredir!”

Estes comentários me chamaram a atenção. A urbanização da Fonte Sônia, um antigo hotel fazenda que se localiza na Serra dos Cocais, próximo à escola, gerou uma polêmica entre os alunos: uns ficaram a favor e outros contra; e apareceram aqueles que nunca tinham notado a presença da serra.

“Não sabia que as ‘montanhas cheias de pedra’ em frente à escola são a Serra dos Cocais.

Este comentário me intrigou:

“Que montanhas cheia de pedras?”

E o aluno continuou:

“Lá em cima, no morro… Parece que aquelas pedras vieram ‘do alto’… Foram colocadas.”

A princípio não entendi o que este aluno quis dizer, só mais tarde percebi que ele se referia aos matacões de granito que “povoam” toda a Serra dos Cocais.

A partir dos comentários dos alunos, notei que eles tinham grande interesse pelas questões locais e que o trabalho com o entorno da escola poderia ser muito produtivo, não só para a compreensão da História (principalmente por ser a disciplina que leciono), como também nas questões relativas ao ambiente local, ou seja, “tinha uma ‘serra’ no meio do ‘meu’ caminho…”.

Estas inquietações resultaram numa pesquisa de mestrado em Ensino e História de Ciências da Terra pelo Instituto de Geociências da UNICAMP. E se transformou no livro “O professor na Construção do Conceito de Tempo” (Pedro & João Editores).

Referência:

BETTI, André. O professor na Construção do Conceito de Tempo”. Pedro & João Editores. São Carlos, SP. 2019.

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