História de Valinhos

A história do município de Valinhos está intrinsecamente ligada a três elementos cruciais que moldaram sua paisagem ao longo dos séculos: o Ribeirão Pinheiros, a Ferrovia e a imigração italiana.

Durante o período Colonial, no contexto da exploração do Brasil para o envio de riquezas a Portugal, a concessão de uma sesmaria a Alexandre Simões Vieira em 1732 assinala o início da história documentada de Valinhos. Este marco, conhecido como Pouso de Pinheiros, possivelmente localizado no atual bairro Capuava, é considerado a “célula mater” da cidade, conforme mencionado por Mário Pires no livro “Valinhos: Tempo e Espaço”. Mário Pires ainda menciona a provável existência de populações indígenas na região antes da instalação do Pouso de Pinheiros.

Na transição para o século XIX, a região passou por transformações significativas, abandonando uma economia de subsistência para adotar a cultura da cana-de-açúcar em grandes engenhos, notadamente o Dois Córregos e Cachoeira, conforme mencionado por Celso Maria de Mello Pupo no livro “Campinas, Município no Império”. Posteriormente, o café, adaptado com sucesso à região de Campinas, incluindo o território que viria a se tornar o município de Valinhos, especialmente na região da Serra dos Cocais, intensificou a exploração da mão de obra escravizada e substituiu a cana-de-açúcar nas fazendas (PUPO, 1983). São exemplos de antigas fazendas de café em Valinhos: Fazenda Espírito Santo, Fazenda São Bento, Fazenda Jurema, Fazenda São João das Pedras, Fazenda Pinheiros, Fazenda Macuco, Fazenda Santa Thereza da Serra e Fazenda Tapera (PIRES, 1978).

A necessidade de superar desafios no transporte até o porto de Santos resultou na criação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, que inaugurou em 31 de março de 1872 a Estação de Vallinhos, marco inicial do desenvolvimento do núcleo urbano de Valinhos, considerado por muitos como o início do progresso na região (PIRES, 1978). Como consta nos relatórios da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a construção da ferrovia foi financiada e incentivada por aristocratas rurais da época, como o Marquês de Três Rios Joaquim Egydio de Sousa Aranha e o Capitão da Guarda Nacional Antônio Rodrigues Duarte Ribas. Este último foi assassinado por escravizados em sua fazenda chamada Pinheiros (FERRAZ, 2010, p. 100), em Valinhos, que foi desapropriada para a construção da ferrovia. 

A ferrovia desempenhou um papel crucial não apenas em sua função principal de transporte de café, mas também na chegada de imigrantes europeus, principalmente italianos, após 1888, substituindo a mão de obra escravizada utilizada nas lavouras de café. Esses imigrantes desempenharam um papel significativo na diversificação agrícola e no surgimento das primeiras indústrias na região, como a Gessy (posteriormente adquirida pela multinacional Unilever), comércios e olarias (SPADACCIA, 1998). Utilizando os recursos do Ribeirão Pinheiros e da própria ferrovia para produção e logística, esses empreendimentos contribuíram para o desenvolvimento do centro urbano do município. Os imigrantes também adquiriram terras das antigas fazendas de café, especialmente durante a crise de 1929, exercendo uma influência substancial no desenvolvimento urbano da região. As áreas centrais da cidade e grande parte dos bairros e condomínios de Valinhos foram erguidos sobre as terras que anteriormente eram sítios de imigrantes (PIRES, 1978).

A epidemia de febre amarela em 1889 resultou na transferência da Sexta Secção Eleitoral de Campinas para Valinhos, delineando o futuro distrito. Em 1896, a vila foi elevada à categoria de Distrito de Paz, adotando as mesmas divisas do Distrito Policial criado em 1893. A projeção nacional e internacional de Valinhos teve início em 1901, com a introdução do Figo Roxo por Lino Busatto, conferindo à cidade a alcunha de Capital do Figo Roxo. Finalmente, em 1953, Valinhos alcançou a autonomia municipal, separando-se integralmente de Campinas, e Jerônymo Alves Corrêa foi eleito o primeiro prefeito em 1954. A cidade foi oficialmente instalada em 1955. Em 2005, Valinhos foi elevada à condição de Comarca, assegurando autonomia nos serviços judiciários e pondo fim à dependência de Campinas para esses serviços (PIRES, 1978).

A narrativa acima reflete a interpretação convencional da história de Valinhos, fundamentada nas principais fontes historiográficas da cidade e da região, como as obras de Mário Pires, José Spadaccia, Celso Maria de Mello Pupo, entre outros. Essa perspectiva apresenta uma visão limitada do passado municipal, desconsiderando o fato de que a história está em constante evolução, sendo moldada por diversas pessoas com diferentes culturas e origens ao longo do tempo. Além disso, negligencia eventos significativos, como, a título de exemplo, a imigração japonesa, bem como a história da população negra e o impacto das migrações inter-regionais na década de 1970.

Portanto, é crucial enfatizar que, para uma compreensão mais precisa e abrangente do passado, é essencial explorar as fontes primárias. A história não é estática, e sua compreensão requer a consideração de diversas perspectivas. Uma abordagem crítica, baseada em extensa leitura e pesquisa, é fortemente recomendada para desvendar nuances, perspectivas alternativas e detalhes que podem ter sido subestimados ou negligenciados na construção da narrativa tradicional. A verdadeira compreensão da história de Valinhos só pode ser alcançada por meio da exploração profunda de documentos originais, registros autênticos e fontes primárias, permitindo assim uma reconstrução mais fiel e completa do passado da região.

Referências:

PIRES, Mário. Valinhos: tempo e espaço. Campinas-SP: Academia Campinense de Letras, 1978.

PUPO, Celso Maria de Mello. Campinas, município no Império: fundação e constituição, usos familiares, a morada, sesmarias, engenhos e fazendas. São Paulo: Imprensa Oficial, 1983. 231 p.

Projeto Memória Ferroviária. Relatório da Diretoria da Companhia Paulista lido em sessão da Assembleia Geral de Acionistas no dia 28 de janeiro de 1872. Disponível em: https://memoriaferroviaria.assis.unesp.br/?page_id=1772. Acesso em: 21 de janeiro de 2024.

FERRAZ, Lizandra Meyer. Entradas para a liberdade: Formas e frequência da alforria em Campinas no século XIX. 2010. Tese de Doutorado.

SPADACCIA, José. Os 100 Destaques de Valinhos deste Século. Valinhos: Ed. Do Autor, 1998.

Recomendamos os seguintes acervos para pesquisa:

  • Centro de Memória Unicamp (CMU);
  • Arquivo Nacional do Brasil;
  • Arquivo Edgard Leuenroth (AEL – UNICAMP);
  • Biblioteca Pública Municipal de Valinhos “Dr. Mário Corrêa Lousada”;
  • Biblioteca Pública Municipal de Campinas “Prof. Ernesto Manuel Zink”;
  • Arquivo Público Municipal de Valinhos;
  • Arquivo da Câmara Municipal de Valinhos;
  • Cúria Diocesana (Arquidiocese de Campinas SP);
  • Hemeroteca Digital (BNDigital – Fundação Biblioteca Nacional);
  • Centro de Ciências Letras e Artes de Campinas (CCLA);
  • Arquivo Municipal de Campinas;
  • Arquivo Público do Estado de São Paulo (APESP).

Para começar a compreender a história de Valinhos recomendamos as seguintes leituras:

  • PIRES, Mário. Valinhos: tempo e espaço. Campinas-SP: Academia Campinense de Letras, 1978.
  • PUPO, Celso Maria de Mello. Campinas, município no Império: fundação e constituição, usos familiares, a morada, sesmarias, engenhos e fazendas. São Paulo: Imprensa Oficial, 1983. 231 p.
  • PAIXÃO, Rodrigo José. Das aldeias indígenas aos condomínios fechados. Vinhedo: Editora Horizonte, 2018./li>
  • TORDIN, Maria José Tordin. Família Tordin: 131 anos de história no Brasil. Valinhos-SP: Ed. Do Autor, 2019.
  • MILANI, Adolfo. O fabricante de sabonetes: A história de Adolfo Milani, pioneiro da gestão empresarial moderna.
  • PIRES, Mário. O POMO DA RIQUEZA. Campinas-SP: Ativa Promoções Culturais, 1970.
  • FERRARI, Ana Josefina. Fuga e resistência: o caso das fugas dos escravos na cidade de Campinas entre 1870 e 1880. Revista Conexão Letras, v. 1, n. 1, 2005.
  • WESTIN, Ricardo. Agência senado. Há 170 anos, lei de terras oficializou opção do brasil pelos latifúndios. 2020. Disponível em: LINK. Acesso em: 07 nov. 2023.
  • BREDARIOL, Márcio Adriano. Serra dos Cocais: especulação imobiliária, destruição do meio e expropriação dos agricultores familiares-tombamento da área como forma de resistência. Boletim Campineiro de Geografia, v. 5, n. 2, p. 319-340, 2015.
  • PAZINATTO, Marcel Trombetta. Os 60 anos de imagens de Haroldo Pazinatto. Valinhos, SP: Edição do Autor, 2013
  • STEVOLO, Pedro Luiz. A casa modernista de Flávio de Carvalho: arte, política e um território em disputa?. Revista CPC, n. 22, p. 10-36, 2016.
  • DE ÁVILA, Arlo Nóbrega; FERNANDES, Henrique Albuquerque; MOTTA, Tom Dias. Levantamento de Cavernas Graníticas da Serra dos Cocais–Valinhos (SP). 2019.