CAFÉ EM VALINHOS: FAZENDA SANTA THEREZA DA SERRA

Bryan Gouveia – Graduando em Administração Pública, Pesquisador e Associado APHV / Ulisses Porto – Advogado, Pós-graduado em Direito Empresarial, Jornalista, Fotojornalista, Documentarista, Jurista, Pesquisador e Associado APHV / Thaís Ferrari – Graduada em Comunicação e Jornalismo, Escritora, Pesquisadora e Jornalista / Pedro Luiz Stevolo – Graduado em Historia e Filosofia, Mestrando em História Social, Professor, Pesquisador e Associado APHV.

O texto “Café em Valinhos: Fazenda Santa Thereza da Serra” é o segundo de uma série de produções que tem como objetivo trazer luz à história das grandes propriedades rurais que formaram o município de Valinhos, através de breves resumos históricos, imagens e fotografias. Essa é uma iniciativa dos pesquisadores e membros da Associação de Preservação Histórica de Valinhos: Bryan Gouveia e Ulisses Porto. O texto a seguir foi revisado por Thaís Ferrari e Pedro Luiz Stevolo.

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A Fazenda Santa Thereza da Serra foi uma grande propriedade rural produtora de café, localizada no interior do estado de São Paulo, cuja casa-sede da antiga fazenda fica situada no município de Valinhos, Km 04 da Estrada do Jequitibá, no que hoje é o Sítio Candinho.

 

Vista aérea do Sítio Candinho. Print do Google Maps. Local: Sítio Candinho, em Valinhos-SP, 2023.

 

 

 

De acordo com as informações fornecidas por Celso Maria de Mello Pupo (PUPO, 1983, p. 197) [1], acompanhadas por informações do inventário de Cândido Ferreira da Silva Camargo [2] e de uma série de documentos de seus herdeiros [5], a centenária fazenda de café teve como proprietários:

• Avelino Anthero de Oliveira Valente(?-1874);
• Cândido Ferreira da Silva Camargo(1874-1922);
• Anna Leonisia do Amaral Camargo (1922-1944);
• Odila Ferreira Alves (1944-1952);
• Casal Hilma Ferreira Alves Rodrigues e Anesio Falcão Rodrigues (1952-?)
• Magnus Alves Rodrigues, Myrian Alves Rodrigues, Marcus Aurelius Alves Rodrigues e Hilma Alves Rodrigues (1976-?).

 

A respeito da vida do proprietário mais antigo e conhecido da Fazenda Santa Thereza da Serra, Avelino Anthero de Oliveira Valente, sabe-se que nasceu na cidade de Campinas, em 1839, vindo a falecer em 1898, aos 58 anos de idade. Era filho de Rodrigo de Sá e Gama Valente de Gouvêa e Joaquina Thomazia de Oliveira. Foi casado com Francisca Carolina de Camargo [3]. Avelino era um grande fazendeiro e proprietário de terras que viriam a ser os bairros Jardim dos Oliveiras, Vila Joaquim Inácio e Vila Georgina, localizados em Campinas, na antiga Fazenda Paraiso [6]. Junto com Cândido Ferreira da Silva Camargo e outros fazendeiros, possuía projetos de substituição da mão de obra escravizada por colonos chineses [7]. Avelino também era primo distante de Anna Leonisia do Amaral Camargo [8].

Já sobre a vida de Cândido Ferreira da Silva Camargo, ou Candinho, sabe-se que nasceu na cidade de Campinas, em 1839, vindo a falecer em 1922, aos 83 anos de idade. Era filho de Joaquim Ferreira Penteado, Barão de Itatiba, e Francisca de Paula Camargo. Foi casado com Anna Leonisia do Amaral Camargo¹ [4]. Além disso, era tio avô de Antônio Carlos Pacheco e Silva² (PIRES, 1978, p. 48) [9].

Cândido Ferreira da Silva Camargo foi um grande proprietário rural e urbano, cafeicultor, político e integrante da aristocracia brasileira. Formou-se em Direito em 1861 [4] e exerceu o cargo de Delegado de Polícia em sua cidade natal, em 1864, por nomeação do presidente da Província de São Paulo, Francisco Ignácio Homem de Mello. Nesse mesmo ano, foi eleito vereador à Câmara Municipal de Campinas e foi presidente do legislativo em 1865. Exerceu ainda o cargo de Juiz de Paz de Campinas (VILLAGELIN, 1934, p. 1) [10]. Candinho, como era chamado Cândido Ferreira, foi um abastado fazendeiro, proprietário da Fazenda Quilombo, em Itu-SP, da Fazenda Sant’Anna e Fazenda Fortaleza, em São Carlos-SP, da Fazenda Paraguassú, em Taquaritinga-SP, da Fazenda Santa Rita e Fazenda Campinho, em Descalvado-SP, da Fazenda Engenho de Serra e Fazenda Coqueiros, em Batatais-SP, e da Fazenda Santa Thereza da Serra, em Valinhos [2]. Era também proprietário de mais de 13 imóveis na área urbana de Campinas [2]. Nesse tempo, tinha ações da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e da Companhia Mogyana de Estradas de Ferro e participações da Gazeta de Campinas [2]. Além disso, Cândido Ferreira da Silva Camargo foi um dos fundadores do Colégio “Culto à Ciência”, do qual foi um dos presidentes e auxiliou na fundação da Santa Casa de Misericórdia e do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas (VILLAGELIN, 1934, p. 1) [10]. Cândido foi, também, um dos responsáveis pela construção do Hospital dos Alienados, que hoje está transformado no Sanatório “Dr. Cândido Ferreira“, no Distrito de Sousas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De todas as estruturas ainda existentes da primitiva Fazenda Santa Thereza da Serra, hoje Sitio Candinho, a imponente casa-sede se destaca. O casarão foi erguido ainda enquanto Avelino Anthero de Oliveira Valente era proprietário da fazenda (PUPO, 1983, p. 197) [1], muito provavelmente junto com outras estruturas mais antigas da fazenda como, por exemplo, a senzala, de aspecto linear e paredes grossas.

De acordo com Celso Maria de Mello Pupo, a Fazenda Santa Thereza da Serra possuía, em 1885, 100 mil pés de café, uma máquina movida a turbina e terreiros feitos de tijolos. Em 1900, a fazenda produzia 4.500 arrobas de café e, em 1914, possuía 72 alqueires de terra com 113 mil pés de café (PUPO, 1983, p. 197) [1]. É conhecido que antes da abolição da escravatura em 1888, a fazenda foi um local onde pessoas negras foram submetidas a condições desumanas e trabalharam arduamente para impulsionar a produção e o desenvolvimento da região. Pedro Luiz Stevolo e Victor Fiori Augusto, em um dos seus artigos, ressaltam a negligência histórica ao mencionar que “poucas ou praticamente nenhuma linha foi escrita sobre aqueles que realmente trabalharam para a produção e desenvolvimento nos anos iniciais da cidade de Valinhos, ou seja, a mão de obra negra escravizada” [12]. Essa citação revela a invisibilidade desses trabalhadores e a falta de reconhecimento de sua contribuição para o progresso local. Além disso, Stevolo e Augusto enfatizam que “identificar seus nomes, origens e destinos, após a abolição da escravidão em 13 de maio de 1888 no Brasil, é um desafio enfrentado pela historiografia” [12]. A busca por informações sobre essas pessoas após a abolição representa um desafio para os estudiosos devido à escassez de registros disponíveis. No entanto, um retrato de uma pessoa escravizada (PUPO, 1983, p. 113) [1] na fazenda Fazenda Santa Thereza da Serra foi preservado, representando um importante vestígio dessas vidas negligenciadas.

 

Após a abolição da escravatura, sabe-se que a Fazenda Santa Thereza da Serra recebeu muitos imigrantes italianos (vide folha de pagamento de pessoal anexada em inventário) [2] que buscavam novas oportunidades e uma vida melhor. Maria José Tordin, em seu livro “Família Tordin: 131 anos de história no Brasil“, destaca a importância das famílias Trombetta e Tordin, que se estabeleceram na colônia da fazenda (TORDIN, 2019, p. 61) [13].

        Em síntese, esse breve levantamento histórico da Fazenda Santa Thereza da Serra em Valinhos revela sua notável trajetória como produtora de café, cujo sucesso foi sustentado pela exploração cruel da mão de obra escravizada e posteriormente com o uso da mão de obra de imigrantes europeus. Propriedade de importantes membros da aristocracia brasileira, como Avelino Anthero de Oliveira Valente e, posteriormente, Cândido Ferreira da Silva Camargo, a Fazenda Santa Thereza da Serra representa um importante capítulo da história da cidade de Valinhos e do Brasil. Além disso, ressaltamos a importância vital da preservação das estruturas remanescentes dessa fazenda, tanto pelo seu valor arquitetônico como por ser um dos poucos exemplares da arquitetura colonial ainda existentes na cidade de Valinhos. Ao salvaguardar essas edificações, honramos a memória e a herança desse local histórico, permitindo que as futuras gerações conheçam e compreendam a complexidade de nosso passado. Por último, gostaríamos de convidá-los a explorar fotografias antigas e inéditas da Fazenda Santa Thereza da Serra. Além disso, oferecemos a oportunidade de visualizar o filme intitulado “Lição Merecida”, gravado nas instalações da propriedade em 1952 pelo renomado cineasta valinhense Henrique de Oliveira Júnior. O filme foi rodado na incrível paisagem da Serra dos Cocais, juntamente com as antigas construções da fazenda. Esses registros históricos oferecem uma experiência visual imersiva única no passado significativo e rico desse valioso patrimônio.

 

 

NOTAS

¹ Anna Leonisia do Amaral Camargo nasceu em Itú, em 24 da agosto de 1846. Era filha de José Estanislau do Amaral e Thereza de Jesus Aguirre e casada com Cândido Ferreira da Silva Camargo. Além disso, era tia da pintora, desenhista, escultora, ilustradora, cronista e tradutora brasileira, Tarsila do Amaral, filha de seu irmão José Estanislau do Amaral [8]. Em 1875 passou a residir na Fazenda Santa Thereza da Serra, em Valinhos. Ajudou a Associação de Moços Católicos a fundar sua sede em Valinhos e faleceu em Campinas no dia 1 de junho de 1944, aos 98 anos de idade. Dna. Anninha, como era conhecida Anna Leonisia, era famosa por distribuir esmolas e pelas diversas romarias realizadas em sua fazenda [14].

 

² Antônio Carlos Pacheco e Silva desempenhou um papel fundamental na história da psiquiatria militar no Brasil. Ele obteve seu diploma de Medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e se destacou por sua extensa pesquisa sobre eugenia e higiene mental. Muitos de seus estudos visavam demonstrar as conexões entre doenças mentais e morais com o atraso social, o declínio produtivo e até mesmo o comunismo, tanto de forma direta como indireta. Durante os anos 1960, ele se tornou uma figura proeminente na promoção da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) e da Doutrina de Guerra Revolucionária (DGR) entre os civis, além de apoiar abertamente o regime militar estabelecido no país em 1964. Ao longo de sua carreira, Antônio Carlos Pacheco e Silva escreveu livros, ministrou palestras e conferências, deixando um legado significativo. Ele ocupou vários cargos importantes, incluindo a presidência da Liga Paulista de Higiene Mental em 1926, o cargo de Deputado Constituinte de 1933 a 1934, e foi professor da Universidade de São Paulo de 1935 a 1967 [15]. Em 1937, Antônio Carlos Pacheco e Silva visitou diversos sanatórios e institutos eugênicos alemães sob o convite e patrocínio de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda Nazista [16]. Antônio Carlos Pacheco e Silva foi proprietário da Fazenda Cachoeira em Valinhos, adquirida por Orozimbo Maia no início do século XX e transformada no famoso Hotel Fonte Sônia (PIRES, 1978, p. 104) [9].

REFERÊNCIAS

[1] PUPO, Celso Maria de Mello. Campinas, município no Império: fundação e constituição, usos familiares, a morada, sesmarias, engenhos e fazendas. São Paulo: Imprensa Oficial, 1983. 231 p.

[2] Inventário de Cândido Ferreira da Silva Camargo, 1922. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Comarca de Campinas – 1754-1940 (Produção). Disponível para consulta no Centro de Memória Unicamp – CMU.

[3] FAMILYSEARCH. Avelino Anthero de Oliveira Valente. Disponível em: https://ancestors.familysearch.org/en/9JLJ-41P/avelino-anthero-de-oliveira-valente-1839-1898. Acesso em: 2 de mai. 2023.

[4] CAMARGO, Lucas. Genealogia de José Estanislau do Amaral e Thereza de Jesus Aguirre. In: CAMPINAS EM FOCO. Disponível em: https://campinasnostalgica.wordpress.com/tag/candido-ferreira-da-silva-camargo/. Acesso em: 2 de mai. 2023.

[5] Acervo pessoal de Ulisses do Porto Salvador.

[6] Inventário de Avelino Anthero de Oliveira, 1898. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Comarca de Campinas – 1754-1940 (Produção). Disponível para consulta no Centro de Memória Unicamp – CMU.

[7] O ESTADO DE S. PAULO (Brasil). Colonos chinezes. O Estado de S. Paulo: Propriedade da Companhia Impressora Paulista. 25 out. 1892.

[8] GENi. Anna Leonizia do Amaral. Autora: Camila Coelho. Disponível em: https://www.geni.com/people/Anna-Leonizia-doAmaral/6000000085257136024 Acesso em: 2 mai. 2023.

[9] PIRES, Mário. Valinhos: tempo e espaço. Campinas-SP: Academia Campinense de Letras, 1978.

[10] VILLAGELIN, Arthur Nazareno Pereira. Edital de 20-06-1934. Disponível para consulta no Centro de Memória Unicamp – CMU.

[11] BRECHÓ CHIC LEILÕES. Antigo lavatório do século XIX em estilo Império. Disponível em: https://www.brechochicleiloes.com.br/peca.asp?ID=6951943. Acesso em: 2 mai. 2023.

[12] AUGUSTO, Victor Fiori; STEVOLLO, Pedro Luiz. A mão de obra negra escravizada na história de Valinhos. Associação de Preservação Histórica de Valinhos. Disponível em: https://historiavalinhos.com.br/historia/a-mao-de-obra-negra-escravizada-na-historia-de-valinhos/ Acesso em: 2 mai. 2023.

[13] TORDIN, Maria José. Família Tordin: 131 anos de história no Brasil. Valinhos-SP: Editora do autor, 2019.

[14] Câmara Municipal de Campinas. Processo Nº 700. Projeto de Lei nº 55/49. Promoventes: Silvio Antoniazzi e José Spadaccia. Assunto: Sobre a denominações de ruas em Valinhos.

[15] LEAL, Bruno. Historiadora pesquisa o trabalho de médico brasileiro que articulou psiquiatria com segurança nacional. Café História. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/psiquiatria-e-seguranca-nacional/. Acesso em: 2 de mai. 2023.

[16] TARELOW, Gustavo Querodia. Antonio Carlos Pacheco e Silva: psiquiatria e política em uma trajetória singular (1898-1988). 2018. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.

[17] Acervo pessoal de Bryan Rodrigues Gouveia.